Atendimento às mulheres vítimas de violência sexual: considerações legais

A violência sexual é das mais danosas violências entre gêneros, visto que provoca na vítma, de forma imediata e a longo prazo, transtornos físicos e emocionais. Mesmo que as violências possam acometer todas as pessoas, 90% das vítimas são do gênero feminino. No Brasil, a cada 8 minutos, 1 menina é violentada. E as estatísticas mostram que esse número é subnotificado. 

 

Para além dos traumas físicos inerentes à violência, a pessoa em situação de violência sexual apresenta risco aumentado de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), de surgimento de uma gravidez indesejada, de disfunções sexuais, doenças psicomotoras, depressão e tendências suicidas. Conheça a seguir, as considerações legais para o atendimento às mulheres em situação da violência sexual.

Definição de violência sexual

A violência sexual pode ser definida como qualquer ação na qual uma pessoa, valendo-se de sua posição de poder e fazendo uso de força física, coerção, intimidação ou influência psicológica, obriga outra pessoa, de qualquer sexo e idade, a ter, presenciar ou participar de alguma maneira de interação de cunho sexual, ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, com fins de lucro, vingança ou outra intenção. A definição é ampla, como são amplas as formas de violência. 

A violência sexual contra a mulher no Brasil

A violência sexual é fenômeno universal que afeta mulheres de diferentes classes sociais, etnias, religiões e culturas. Do mesmo modo, acontece em populações de diferentes níveis de desenvolvimento sócio-econômico, em qualquer etapa da vida da mulher e em qualquer espaço, sejam públicos ou privados.

O combate à violência sexual passa a receber cada vez mais destaque e visibilidade por parte de órgãos governamentais, entidades civis, movimentos feministas e organizações não governamentais. Considerando os agravos que podem surgir na vítima, a violência sexual é cada vez mais abordada na área da saúde.

No Brasil, a média diária de mulheres procurando atendimentos em serviços de saúde por violência sexual é de 21,9 mulheres/dia. Além disso, são notificadas 14,2 mulheres/dia como vítimas de estupro no departamento de informática do SUS (Sistema Único de Saúde). Em 2023, houve um aumento de 16,3% de registros de violência sexual, ou seja, espantosos 34.428 novos casos de violência em um ano.

Considerações legais acerca do crime de estupro

No Código Penal Brasileiro, o Título VI do Decreto 2.848, de 7 de dezembro de 1940, visa a proteção à dignidade sexual da pessoa, ao direito de cada um de dispor livremente de seu corpo. A Lei 12.015/2009 registra importantes mudanças nos tipos penais do Título VI, refletindo sobre a atual orientação constitucional. 

Uma das mudanças mais expressivas ocorreu no Capítulo I, “Dos Crimes contra a Liberdade Sexual”. A Lei revogou o crime do artigo 216 – atentado ao pudor mediante fraude – e o incorporou na nova redação do crime do artigo 215. A nomenclatura passou de posse sexual mediante fraude para violação sexual mediante fraude. Assim, conforme as modificações trazidas pela lei referida, a nova redação do artigo 213 do Código Penal define estupro como:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar, ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

  • 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 
  • 2º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

A pena para a violência sexual deve ser graduada proporcionalmente ao dano sofrido. Afinal, os danos físicos, psicológicos e sociais causados por uma conjunção carnal não consentida não são os mesmos que uma vítima beijada sem consentimento, por exemplo. Ambas são vítimas de violência sexual. No entanto, o laudo da polícia técnica exerce importância crucial para a diferenciação das penas dos agressores.

Outra importante mudança trazida pela Lei 12.015/2009 foi a criação do Capítulo II, que aborda os crimes sexuais contra vulnerável. Pessoa vulnerável é aquela com menos de 14 anos à data do fato. Se maior de 14 anos, é considerada vulnerável quando não apresenta o discernimento necessário à prática do ato ou não pode oferecer resistência. 

No parágrafo 3º, a pena é aumentada quando constatada a presença de lesão corporal de natureza grave. Desse modo, vemos novamente a importância da descrição detalhada das lesões sofridas pela vítima da violência sexual.

O atendimento das mulheres vítimas de violência sexual no Brasil

No enfrentamento à violência sexual, o Ministério da Saúde assume lugar de destaque. Com ações articuladas com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres no âmbito do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, lançou a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (1ª edição, 1998). 

Em conjunto com a norma técnica, o objetivo é expandir e qualificar redes de atenção municipais e estaduais para assistência de mulheres em situação de violência. Além disso, visa configurar uma rede nacional voltada ao atendimento em saúde para a vítima de violência sexual. 

Do mesmo modo, a diretriz contribui auxiliando profissionais de saúde para o desenvolvimento de uma atuação qualificada e eficaz em casos de violência, garantindo o exercício dos direitos humanos dessas mulheres.

A assistência à saúde da vítima de violência sexual é prioritária. Assim, a recusa de atendimento pode ser caracterizada como omissão, segundo os artigos 13, §2º, e 135 do Código Penal Brasileiro. 

O médico pode ser responsabilizado civil e criminalmente por eventuais danos físicos e mentais sofridos pela vítima, assim como pela morte em decorrência da omissão. O profissional responsável pela assistência à vítima de violência sexual em centros de referência deve: 

  • realizar entrevista (anamnese específica); 
  • efetuar o registro da história relatada; 
  • proceder ao exame clínico e ginecológico; 
  • realizar a coleta de material biológico para pesquisa de DNA; 
  • prescrever as profilaxias necessárias para ISTs e para gravidez;
  • encaminhar a paciente para as vacinações adequadas;
  • solicitar exames complementares; 
  • realizar o encaminhamento da vítima para acompanhamento ambulatorial, onde terá assistência médica, psicológica e social.

Em alguns locais, a pessoa que sofreu uma violência não precisa ir ao Instituto Médico Legal para realização do corpo de delito. Isto evita uma revitimização tão importante nesses casos. 

A sequência da assistência atual prevê a coleta de vestígios e a emissão de laudo pericial indireto através de uma Cadeia de Custódia. Por isso reforça-se o preenchimento correto e o mais completo possível de uma ficha de anamnese específica, obrigatório para que o laudo indireto seja realizado. 

Todos os dados devem ser anotados no prontuário. Todo o material coletado da vítima será recebido no IML (Instituto Médico Legal). É importante lembrar que a mulher não tem obrigação de apresentar Boletim de Ocorrência para dispor de seu direito ao atendimento. Isso contribui para levar a vítima ao centro de saúde prioritariamente. 

Além disso, nenhum dos procedimentos realizados durante a assistência à saúde à pessoa em situação de violência exige o boletim de ocorrência. A ampliação do acesso à assistência de saúde para as mulheres em situação de violência sexual é estritamente fundamental. 

A assistência deve ser pautada por um atendimento imediato, de forma humanizado, integral e multidisciplinar, que envolverá cuidados clínicos, profilaxias e testagens rápidas de ISTs, anticoncepção de emergência e coleta de vestígios com a cadeia de custódia definida e interrupção da gestação, como previsto em lei. 

Providências policiais e judiciais devem ser estimuladas, porém a recusa da paciente em realizar um boletim de ocorrência não deve ser fator a impedir a assistência à saúde. E não podemos esquecer que toda violência sexual é de Notificação Compulsória e nos casos de menores de 14 anos, o Conselho Tutelar deve ser acionado o mais rápido possível. 

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